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MEU PAI
Edson Osni Ramos (Cebola)
Ontem, 31 de janeiro, completaram-se 27 anos da morte de meu pai. Na época ele tinha 56 anos, e eu, 26.
Como todo filho, tive a fase do “meu pai é meu ídolo”, depois “meu pai tem muitas falhas” e “meu pai não sabe nada”.
E, então, ele se foi, sem dar tempo da fase “até que meu pai entende de muitas coisas” e, finalmente, a fase que muitos têm a felicidade de viver: “meu pai é uma ótima pessoa”.
Tivemos problemas, muitos problemas. Mas o tempo é um anestésico às vicissitudes da existência. Hoje, já consegui sepultar os pesadelos. Assim, as lembranças foram depuradas e ficaram apenas as boas, os bons momentos.
Estou escrevendo e olhando a foto abaixo, do final dos anos quarenta. Meu pai, que tinha vinte e poucos anos, é o “de bigodinho”, modelo Errol Flynn, como ele dizia, agachado atrás do acordeão (ou acordeom). O primeiro sentado (da esquerda para a direita) é o Cida (Placindino Melo – já falecido). O músico é Aldo (Adinho) Maciel, depois, Walter Gerlach, meu ex-professor, e o segundo da direita para a esquerda é Genésio Ramos, o meu Tio Néso, também já falecido. Os outros dois não consegui identificar.
Foto: acervo da família - autor desconhecido
Todos saudáveis, posando sobre uma ponte, que não sei onde fica, diante de dois caminhões, que deveriam ser seus meios de transporte. Provavelmente estavam indo ou voltando de algum jogo de futebol. Cheguei a pegar a época em que o pessoal da Ponta de Baixo, São José, SC, se amontoava na carroceria de um caminhão, todos de pé, balançando durante o trajeto - para desespero de minha mãe, que achava que alguém poderia cair, deslocando-se a algum lugar próximo para uma “peleja” dominical.
Que saudade!!!
Eram outros tempos, claro. Sem ser saudosista, mas era um tempo em que pouco tínhamos em termos materiais, mas tínhamos nossa cidade para nós.
Hoje meu pai teria muitos problemas para se adaptar à nossa região.
A sua “Olaria de Louças de Barro” seria inviável, dentro de sua concepção em criar peças utilitárias – panelas, pratos, canecas, alguidares, potes e moringas. Teria de se adaptar à criação de peças decorativas. Teria dificuldade em sair às ruas, mesmo na Ponta de Baixo, e quase não encontrar conhecidos.
Não teria o Miramar e a Pastelaria do Japonês, na Felipe Schmidt, onde ia quando se deslocava até Florianópolis.
Não encontraria os velhos amigos do “mercado” (Mercado Público de Florianópolis), onde a família tinha um box para comercializar louças de barro.
Ficaria horrorizado por não existirem as brincadeiras de seu tempo de criança. Que também foram meus tempos, onde jogávamos pião, bolinha de vidro (na boca ou no crown) e fazíamos carrinhos com latas velhas e cavalinhos de pau com cabo de vassoura. E pescávamos siris e camarões na Ponta de Baixo, que eram cozidos com água do mar. Sem poluição, sem insolação, sem fobias.
Fico imaginando a comédia que seria meu pai diante de um computador!
Como tinha facilidade em fazer cálculos aritméticos “de cabeça”, detestava fazer contas “a lápis”. Jamais usou calculadora, embora tivesse de fazer as contas de todos que trabalham com ele, que recebiam seus vencimentos semanalmente (por produção, não por salário fixo). Lembro de um dos atravessadores, que também tinha box no Mercado Público de Florianópolis e comprava suas louças (no atacado), sempre trazendo as contas já feitas, impressas através de uma calculadora mecânica. Ele conferia tudo “de cabeça”, para ver se o resultado estava correto. E não admita que achássemos graça daquilo.
Na Ponta de Baixo não havia assaltos ou roubos. No máximo, roubavam uma galinha gorda da casa de algum vizinho, que também era convidado para saborear o ensopado que resultava.
De drogas, muita birita – cachaça ou cerveja. E cigarro – meu pai fumava “belmont”.
Aliás, meu pai quase nem tomava cerveja, mas cachaça ...
Ir ao centro de Florianópolis era uma viagem. Aliás, lá na Ponta de Baixo não se usava a expressão “ir ao centro”. Quando se ia ao “centro” de São José, dizíamos ir “a Praça”. Quando se ia a Florianópolis, dizia-se ir “a Cidade”.
A primeira vez que ouvi a expressão “centro”, referindo-se ao centro de Florianópolis, foi quando passei a estudar no Colégio Catarinense, na 1ª série do curso ginasial (atual 6º ano do ensino fundamental).
Tenho saudade de sua voz, de ouvi-lo contar suas histórias. Daqui e de outros lugares.
Algumas boas e engraçadas. Outras tristes.
Outra faceta de meu pai é que foi árbitro de futebol. Certa vez, foi apitar um jogo em Tubarão, lá pelos anos cinqüenta. Para deslocar-se, pegou carona com um conhecido, o Dr. Varela (creio que era juiz), de avião (um teco-teco que decolava do antigo aero-clube de São José, localizado onde hoje é o bairro Kobrasol). Quando retornaram, para alívio de minha mãe, não dava para saber qual dos três tinha ingerido mais “gasolina” durante a viagem: o pai, o Dr. Varela ou o próprio teco-teco.
Tempos atrás fiquei muito feliz em saber que o amigo Gilberto Machado, também lá da nossa Ponta de Baixo, está escrevendo um livro, contando a história das olarias e dos oleiros. Nossa cultura tem de ser preservada e o Gilberto, que quando muito jovem trabalhou de oleiro com meu pai, é o mais capaz para descrever essa parte de nossa tradição, por ter sido agente que vivenciou o período.
Para matar a saudade de quem o conheceu, algumas fotos do meu pai, Osni Albino Ramos, oleiro, grande jogador de dominó e árbitro de futebol. Que um dia não queria apitar um jogo do Ipiranga, no antigo campo que havia em frente à praça de São José, porque estava chovendo e ele estava gripado. De tanto insistirem, concordou em apitar, mas tinha de ser com a roupa que estava. Apenas “arregaçou” a calça e descalço, munido de um guarda chuva, pegou o apito e fez a bola rolar. E se algum atleta risse do fato seria sumariamente expulso.
Foto: acervo da família - autor desconhecidoTime de futebol da Ponta de Baixo - São José-SC: meu pai é o segundo em pé, da esquerda para a direita. Ao seu lado: Vicente, Dico (de barba), Bixa, Zé, Maurício, Coca e Renato.
Agachados: Tinho, Ilson do Seu Duca, Bento, Alécio, Maurinho e Rui. Não identificamos o primeiro de pé, à esquerda e o último agachado, à direita.
Foto: acervo da família - autor desconhecidoNa Olaria, da esquerda para a direita: "seu" Zé, Elói, Quico, um que não reconheci, meu pai e sua égua "Ostra". Ele era a única pessoa capaz de botar esse nome em uma égua.
Foto: acervo Gilberto Machado - autor desconhecido Festa do Folclore: Porto Alegre, 1969. Expondo sua arte, da direita para esquerda, meu pai, "seu" Baja, Cida e "seu" Ninho.
Foto: acervo Gilberto Machado - autor desconhecidoFesta na Ponta de Baixo, anos 40: meu pai é o primeiro da direita para a esquerda. No centro, Tio Néso. Ainda reconheço, a esquerda, "seu" Ninho e atrás, a esquerda, do Tio Néso, "seu" Constâncio Maciel.
Cerveja resfriada no poço da água e churrasco assado em pedaço de bambú eram suficientes para uma festa.
Quem serão os outros?
Foto: acervo da família - autor desconhecidoJogo de "casados x solteiros": São Jose - 1959 (pena que a foto está ruim).
Da esquerda para a direita, de pé: Neném, Tavico, (?), Cleto Leite, Dinarte Matos, Aldo Maciel, (?) e Jaime Destri.
Agachados: (?), (?), (?), Ninho, (?), Constâncio Maciel e o árbitro da partida, Osni Albino Ramos, meu pai. A criança, barrigudinha, cabeçuda e sem sapatos (ah se a mãe estivesse presente!) é "este que vos escreve".
Foto: E. Ramos - 2008.
"Mestre oleiro" e escritor, Gilberto Machado mostra sua arte na roda (torno movido pelos pés do oleiro). Olhando atentamente: minha mãe Luci Ramos, meus filhos Bena e Guiba e Tia Adelaide.
Foto: E. Ramos - 2008
Na roda (torno), Guilherme S. Ramos, professor de matemática.
Foto: E. Ramos - 2008
No torno elétrico (agora é mais fácil), Beatriz S. Ramos, sob o olhar atendo da avó.
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